Do costume
- Para mesa do costume é o costume .
O empregado dirige-se com o copo na bandeja. Ninguém diria que aquela perícia toda adquiriu ao longo dos anos. Tem outro dom, o de ler a cara das pessoas, excepto a cliente da mesa do costume.
'É um mistério' dizem alguns, outros vão apostando em que 'São fases, senhores !', mas não o empregado, esse não vai cá em cantigas.
Pousa o copo ao lado do caderno. Lá de trás do balcão vê-a sempre a escrevinhar qualquer coisa, mas quando pousa as bebidas apenas vê as conhecidas e aborrecidas linhas azuis. Que raios.
E como de costume chegou a amiga ou conhecida ou lá que era. Pediu do costume. Não, era amiga, ninguém ficava só conhecido por tanto tempo. Chegou mesmo a horas, tinham acabado de tirar as batatas do óleo. A miúda tinha pontaria. Mas que raios!
Murmuravam durante horas uma em frente da outra, dando pequenos sorrisos, com o prato a esvaziar e o copo já vazio. Então a amiga pegava no caderno e rabiscava a lápis. Escrevia meio caderno apenas aquele bocadinho que ali estavam. Depois despediam-se. A pequena deixava uns trocos em cima da mesa e saía praticamente a saltitar. Como é que um par de horas deixava alguém assim? Raios!
A cliente pegava no caderno e lia com um sorriso nos lábios. Começava a desenhar, desenhos que ao longe parecem perfeitos [e era isso que eram para o empregado] mas que ao perto são apenas rabiscos. E a cliente lá ficava mais um par de horas, com o copo à sua frente, o prato por levantar, e as moedas que chocalhavam umas contra as outras quando ela apagava. 'Mas era tão bonito!', murmurava o empregado.
Então, normalmente num dia normal, o empregado levantava a mesa, a cliente pagava e no dia a seguir estavam lá todos outra vez. Mas não hoje, hoje não. Dirigiu-se à mesa e enquanto levantava o prato e o copo perguntou o porquê de a cliente ter apagado tudo. Um bocado surpreendida, lançou o sorriso e disse 'são costumes...', 'Que pena. Era tão bonito...'. A cliente lança-lhe o sorriso nº10 quase nº11[Raios! O nº 11 é que é] e sai. Não faz mal. Amanhã volta.
'Ouviste? A mesa do costume está vaga!'
O empregado pega na bandeja. Espera. O quê? Vaga? Então e a cliente? E onde está o sorriso nº11? E a amiga?
'E o mistério?' perguntam uns, enquanto os outros respondem, que tinha razão que 'eram fases, senhores!'. O empregado tira as batatas do óleo e não há sinal da amiga. Quebraram o costume. Raios.
21/01/11
O cantinho da Pulga ^^
17/01/11
Subscrever:
Mensagens (Atom)